sábado, 17 de fevereiro de 2018

As aparências enganam

       Este é um texto de minha autoria que foi um dos vencedores do concurso literário do Congresso da Pós-graduação de 2011 da UERJ-FFP. Nessa condição, ele será publicado na próxima edição da revista Relevo. Exercite sua leitura.                              

As aparências enganam
      Precisava aprofundar os conhecimentos em Língua Portuguesa pois, em qualquer concurso, e esse era seu objetivo, é de 20% a 40% da prova.
Semianalfabeto no assunto, não sabia por onde começar, mas por onde se começa os estudos? Naquela época, a internet ainda engatinhava.
Biblioteca.
       Biblioteca Municipal. Mesmo com o 2º grau completo, hoje ensino médio, contava nos dedos de uma das mãos, e sobram dedos, as vezes que lá esteve.
      A bibliotecária apresentou-o a seção e se foi. Deveria ter algo mais importante a fazer. Deparou-se com um livro e, por um instante, imaginou estar, ele ou o livro, no lugar errado. Espessura de bíblia, capa de bíblia, formato de bíblia, mas era um Manual de Redação e Gramática.  Nunca tinha visto algo parecido.
     Antes, na entrada, havia um cartaz informativo: “Documentos necessários para inscrição e empréstimo”, preencheu a ficha, pagou a taxa, e levou-o para casa. Maculou a folha destinada à anotação de empréstimos colada na última página, foi o primeiro corajoso. Tinha 14 dias.
         Nesse ínterim, sua filha deparou-se com o exemplar em cima do sofá e, espantada, perguntou:  _ Que livro grosso é esse, pai !
         Com ar de intelectual mas não admirado de seu espanto, já que esta também fora sua reação a primeira vista, respondeu: _Nem, não se deixe impressionar com a aparência. Vem cá.
         Sentou-se ao lado do pai, com aquela cara, e tentando desfazer a má impressão disse:
_Realmente é grosso, mas não é para ser lido por completo. Logo no começo está o índice ou sumário com todos os assuntos tratados no livro, procuro o número da página e vou direto lá.
_ Mas pai é muito grosso!
_Então vem e me ajuda. Quero interpretação de texto. Procura aí.
_ Achei, página 453.
_Vai lá.
_ 450, 451, 452, 453, achei “Interpretação de textos”.
_Viu não li o livro todo.
_É, foi fácil.
        Com senso de dever cumprido, respirou aliviado. Desfez o dito popular “a primeira impressão é a que fica”, ensinei-a a usar o sumário e fez uma criança de nove anos na 3ª série folhear um livro com 969 páginas, pretas e brancas, sem figuras, por livre e espontânea vontade.
      Virou rotina encontrá-lo em cima do sofá ou da mesa de centro, porém não se assustava mais, às vezes pegava-a folheando-o e dizia: _ Prefiro os meus, são mais coloridos.
           O susto passou.
           Por alguns meses buscou adquiri um exemplar, desistiu pois a resposta era sempre a mesma: talvez em sebos.
          Cinco anos mais tarde, no 9º ano, a professora de Produção de texto indica o livro Guerra dentro da gente, de Paulo Lemisk, para uma prova, livraria alguma tinha, só por encomenda, mas não havia tempo, recorreu aos sebos, também não encontrou. Aproveitava para dar uma olhada nas prateleiras de Língua Portuguesa - sua futura especialidade - avistou algo conhecido; apenas um livro, que trata do assunto, poderia ter aquela espessa e preta lombada. Chegou ao fim cinco anos de procura.
         Não pensou duas vezes, pediu para o atendente ensacolar, sem ao menos perguntar o preço, foi o segundo susto, tão barato que não acreditou.
         Com o livro na mão, o atendente dispara: _ Este livro é muito velho, têm uns mais novos. O português não mudou?
        Levou em consideração por se tratar de uma edição de 1988 e com aparência de muito usado, de velho mesmo, mas como estudante de Letras não pode ouvir isto e ficar calado, com a maior calma do mundo explicou que ali se tratava de vários assuntos, e que apenas algumas regras ortográficas mudaram.
Ia, feliz e contente, folheando-o quando se lembrou: Alguém precisava dele mais do que eu. Foi no automático. Está decidido. Mas antes precisava testá-la para saber se o mereceria.
        Começou.
       Sabendo que sofre de curiosidade mórbida, contou, com dois dias de antecedência, que comprara-lhe um presente. Embrulhou com jornal, amarou com barbante e foi.
_Espero que goste. Tá velho e ultrapassado mas...
         Esperou, ansioso, a resposta.
      Já o conhecendo e sabendo que tudo que faz tem um significado, um motivo, um porquê, mesmo sendo jornal e barbante desembrulhou cuidadosamente, olhou e respondeu:
_ Livro é livro, não importa a idade.
        Era mais do que queria ouvir.
       Na contracapa dedicou: “Eu sou o caminho e a verdade; não se alcança a sabedoria, senão por mim.”
      Segue a busca de outro exemplar. Serão mais cinco anos? Não se sabe, mas tem certeza de que um está na Biblioteca Municipal e outro em boas mãos.

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